quinta-feira, 28 de julho de 2016


Uma Vida, tantas vidas!


Deixei voar as filhas que me deste
como flechas arremessadas com amor
Partiram do ninho onde nasceram
e onde também moras, meu Senhor!
Deste-me o dom da maternidade
de poder tê-las em mim, vê-las crescer
saborear o instante de cada idade
cada medo, vitória, sem esmorecer
quando os dias pesavam de cansaço.
De poder tê-las, bebés, em meu regaço
de poder abrigá-las num abraço...
quero louvar-Te, ó Deus, até morrer!
Já não há passos jovens lá por casa
a chegar com muita coisa p'ra contar.
Caminho agora numa nova estrada
que sei que a Ti também vai dar.
Há agora passinhos de crianças
braços gordos em volta do meu colo
novos amores continuação dos meus amores
a juntarem-se a um passado de lembranças.
Só as noites se tornaram mais vazias
sem as vozes que trazem alegrias
de cada dia cheio e bem passado.
Agora há mais silêncio no descanso
como um regato que escorre no remanso
de pedras soltas onde nasce o musgo.
E eu e o companheiro que me deste
continuamos a nossa caminhada.
Somos um só, a mesma meta desejada,
a descobrir-nos de novo, a renascer
como casal que inda precisa de crescer
até um dia encontrar Tua morada!

                      Luísa, Julho 2016

segunda-feira, 28 de março de 2016






Mais uma Páscoa em Tomar. A sexta geração na casa dos meus bisavós extasiou-se com os mesmos brinquedos por nós usados, como se houvesse tesouros em todas as casas antigas.
O mesmo bater das horas, das meias horas, no relógio da sala que tantas vezes embalou o sono dos que já partiram, continua, inexoravelmente, o mesmo.
As mesmas colchas nas janelas, o mesmo barulho familiar dos passos e das corridas nos antigos corredores de madeira que estremecem à nossa passagem.
O mesmo som de muita gente no mesmo espaço, as conversa, brincadeiras e gargalhadas a animar a casa, sempre tão vazia todo o ano mas à qual todos gostamos de regressar como se ali ainda permanecessem os que viveram e foram felizes.
As encostas do castelo a começarem a encher-se do rosa das olaias em flor, as pequenas folhas tenras das figueiras a despontarem como borboletas na ponta dos ramos. A Primavera a chegar, imponente, apesar do cinzento dos dias da semana santa.
São as raízes do sangue dos nossos antepassados que nos prendem à terra onde viveram e nos chamam a continuar a sua vida que em nós perdura.
Os mesmos móveis com as memórias dos que ali guardaram cartas, amores, lenços com lágrimas.
A porta abre-se e lembro-me dos rostos satisfeitos dos meus pais a ver chegar cada filho, cada neto, cada amor, cada ramo da sua história de vida.
E, mais uma vez, a grande vigília da Páscoa, a Noite em que volta a Luz, a Noite em que a eternidade nos é, de novo, garantida. O Senhor volta para nós, como voltou para os que nos antecederam e nos passaram o dom da fé.
São as casas com história em que muito permanece inalterado mas em que nada voltará a ser igual.

                                                                 Luísa, 28/3/2016